Seca extrema e incêndios na tríplice fronteira afetam Letícia, cidade colombiana às margens do rio Amazonas

DA REDAÇÃO

A cidade colombiana de Letícia, localizada na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, enfrenta uma crise sem precedentes causada pela intensa seca que afeta o rio Amazonas, agravada pelo fenômeno climático El Niño e pelo avanço desenfreado do desmatamento na região. O rio, que é vital para o transporte, abastecimento e subsistência da população, está em seu nível mais baixo em 50 anos, dificultando o acesso a alimentos, água potável e combustíveis, além de comprometer a agricultura e a economia local.

Elquin Uní, prefeito de Letícia, descreve a situação como crítica, afirmando que o rio Amazonas, essencial para a sobrevivência de milhares de pessoas, “chora e está secando”. Letícia é uma cidade vibrante e próspera, atraindo turistas e comerciantes dos três países que compartilham suas fronteiras, mas a atual crise hídrica ameaça essa vitalidade. A economia local, fortemente baseada na agricultura e no comércio, está sendo diretamente impactada pela seca, que torna a cesta básica mais cara e escassa.

A seca severa na região tem origem em um fenômeno climático global: o El Niño. Segundo o professor Santiago Duque, do Instituto Amazônico de Pesquisas da Universidade Nacional da Colômbia, esse fenômeno, associado à baixa precipitação no início do ano, tem reduzido drasticamente os níveis do rio. “Estamos enfrentando secas cada vez mais graves nos últimos dois anos, e 2024 tem sido particularmente alarmante”, alerta Duque.

A situação é especialmente delicada porque Letícia não está sozinha na luta contra essa crise. Cidades vizinhas, tanto no Brasil quanto no Peru, também sofrem com os efeitos dessa estiagem. O Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia do Peru já emitiu alertas de “limite hidrológico vermelho”, enquanto no Brasil, o nível de chuvas na Amazônia tem sido insuficiente para sustentar o volume de água necessário para os rios.

A dramática redução do rio Amazonas

O rio Amazonas, o maior e mais caudaloso do mundo, que atravessa a Colômbia apenas por um braço secundário ao passar por Letícia, viu seu nível reduzir drasticamente em pelo menos dez metros desde junho de 2024, segundo dados do Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam). Esse cenário criou verdadeiras paredes de barro onde antes havia água, impossibilitando a navegação de embarcações que antes transportavam insumos essenciais para os quase 60.000 habitantes da cidade e das áreas ao redor.

As imagens capturadas por satélite mostram a gravidade da situação. O leito do rio, que costumava ter centenas de metros de largura, agora se transformou em estreitos canais de água cercados por “ilhas” e praias de areia que antes eram submersas. “O que antes era um rio de 600 metros de largura, hoje mal chega a 200”, observa Duque, ressaltando que, em algumas áreas, a profundidade caiu de dez para apenas três metros.

Essa redução drástica não apenas afeta o transporte e a subsistência das populações ribeirinhas, mas também compromete a agricultura local. A produção de milho, arroz e mandioca, culturas essenciais para a economia da região, está seriamente ameaçada pela falta de água, e comunidades indígenas, como as lideradas por Crispín Angarita, enfrentam enormes desafios para manter sua sobrevivência. “Estamos esperando pelas chuvas, mas se elas não vierem logo, a situação pode se tornar insustentável”, alerta Angarita.

Um problema trinacional

A crise hídrica que afeta Letícia não é um problema isolado; trata-se de um desafio trinacional que também impacta as populações no Brasil e no Peru. Em Santa Rosa, uma cidade peruana próxima de Letícia, relatos indicam que, pela primeira vez, é possível caminhar de uma margem à outra do rio, algo inimaginável em tempos normais. No Brasil, Tabatinga, cidade vizinha de Letícia, enfrenta dificuldades semelhantes, com a redução dos níveis do rio comprometendo a pesca, o turismo e o abastecimento de bens essenciais.

O professor Santiago Duque acredita que a crise deve ser enfrentada em conjunto pelos três países. “O desmatamento desenfreado, a pecuária e a agricultura intensiva estão agravando os efeitos do fenômeno El Niño e criando um círculo vicioso. Se não tomarmos medidas drásticas para conter o desmatamento, o aquecimento global vai continuar empurrando a Amazônia para um ponto de não retorno”, alerta o especialista.

A Amazônia, considerada o pulmão do mundo, desempenha um papel crucial na regulação do clima global. Sua vegetação densa é responsável por absorver grandes quantidades de gases de efeito estufa (GEE) e sua umidade alimenta sistemas de chuva que afetam até mesmo regiões distantes, como o sul do Brasil. No entanto, com o desmatamento avançando e as mudanças climáticas acelerando, a floresta está cada vez mais próxima de um ponto crítico, no qual pode deixar de ser uma floresta tropical úmida e se transformar em uma savana.

O impacto das mudanças climáticas

As mudanças climáticas estão desempenhando um papel central na crise hídrica que afeta Letícia e toda a região amazônica. Além do fenômeno El Niño, que altera os padrões de chuvas e temperaturas em todo o mundo, o desmatamento para abertura de áreas agrícolas e pastagens está contribuindo para o agravamento da seca. A retirada da vegetação reduz a capacidade da floresta de reter umidade e gerar chuva, criando um ciclo de destruição que ameaça a sobrevivência de milhões de pessoas que dependem diretamente dos recursos da Amazônia.

Para os moradores de Letícia e das regiões vizinhas, a seca representa uma crise humanitária. Sem acesso regular à água potável e com a agricultura comprometida, muitas famílias enfrentam escassez de alimentos e dificuldades para receber atendimento médico. A suspensão das aulas em escolas que só podem ser acessadas por via fluvial agrava ainda mais a situação, afetando diretamente o futuro das crianças da região.

O prefeito Elquin Uní decretou “alerta amarelo” em julho, como medida emergencial para tentar conter os danos causados pela seca, mas reconhece que, sem apoio governamental e internacional, a cidade não tem como enfrentar a crise sozinha. “Precisamos de ajuda urgente para garantir que a população tenha acesso a água e alimentos. O tempo está se esgotando”, desabafa o prefeito.

O futuro incerto da Amazônia

A situação crítica em Letícia é um reflexo de um problema muito maior que afeta toda a Amazônia e, por extensão, o clima global. Com o desmatamento e as mudanças climáticas ameaçando transformar a floresta em savana, cientistas alertam que o mundo pode perder uma das mais importantes ferramentas de combate às mudanças climáticas: a Amazônia.

A cidade de Letícia, às margens do rio Amazonas, luta pela sobrevivência, e sua crise hídrica deve servir de alerta para a urgência de ações globais coordenadas para salvar a Amazônia e mitigar os impactos das mudanças climáticas que já afetam milhões de pessoas na região.