Seca e incêndios colocam a agricultura brasileira em estado de alerta

Fogo: “Quando estávamos no combate ao incêndio, o plástico do espelho retrovisor do caminhão-pipa chegou a encolher”, relembra agricultor (AFP Photo)
DA REDAÇÃO

A agricultura brasileira, um dos pilares econômicos do país e responsável por grande parte das exportações mundiais de commodities como cana-de-açúcar, café, laranja e soja, enfrenta uma grave crise. A combinação de seca intensa e incêndios florestais tem colocado em risco a produtividade dessas culturas, com impactos que podem se estender até 2025. Para o climatologista Carlos Nobre, o setor agrícola brasileiro, embora essencial, também carrega uma grande responsabilidade sobre os danos causados, sendo historicamente um dos maiores emissores de gases de efeito estufa no país.

Incêndios Ameaçam Colheitas

O drama dos agricultores brasileiros tem se intensificado nas últimas semanas. Um exemplo é o relato de Marcos Meloni, agricultor de cana-de-açúcar em Barrinha, a 340 quilômetros de São Paulo, que lutou contra incêndios devastadores que ameaçavam sua propriedade. “O calor era tanto que o plástico do espelho retrovisor do caminhão-pipa começou a encolher”, relembra Meloni. A seca histórica, exacerbada pelas mudanças climáticas, tem sido apontada como uma das principais causas do aumento dos incêndios, muitos deles de origem criminosa.

Em São Paulo, o maior estado produtor de cana-de-açúcar do Brasil, aproximadamente 231.830 hectares de plantações foram atingidos por incêndios, de acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Esse cenário pode levar a uma drástica redução da produtividade em até 50%, segundo especialistas do setor. Para José Guilherme Nogueira, CEO da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), a expectativa para os próximos meses é de perdas ainda maiores, à medida que as chuvas prometidas para outubro podem não ser suficientes para reverter o quadro.

Impacto em Outras Culturas

A crise climática não afeta apenas a produção de cana-de-açúcar. O estado de Minas Gerais, responsável por 70% da produção nacional de café arábica, também enfrenta um déficit hídrico sem precedentes. A seca prejudicou a floração dos cafeeiros e, com isso, a formação dos grãos para a colheita de 2025. Segundo José Marcos Magalhães, presidente da Minasul, “os últimos 40 anos não viram uma seca tão grave”, e a ausência de chuvas até o final de setembro pode comprometer seriamente a produção futura.

Além do café, a produção de laranja, concentrada nos estados de São Paulo e Minas Gerais, também sofre com os efeitos da seca. A Fundecitrus, associação dos produtores de cítricos do Brasil, já havia alertado em maio para a pior colheita de laranja em três décadas. Agora, diante do agravamento das condições climáticas e do impacto de uma praga bacteriana, a previsão de queda de 29,8% na produção se concretiza, ampliando as dificuldades para o setor de sucos.

A Situação da Soja

A soja, pilar do agronegócio brasileiro e grande responsável pela projeção internacional do país, também está no centro da crise climática. Em 2024, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê uma queda de 4,7% na colheita, resultado da combinação entre a seca e as chuvas intensas que afetaram o Rio Grande do Sul nos primeiros meses do ano. Agora, a nova seca atrasa o plantio nas regiões produtoras, o que pode agravar a situação em 2025.

Segundo o analista Luiz Fernando Gutierrez, da consultoria Safras & Mercado, os sojicultores ainda têm chances de recuperar o tempo perdido, caso o clima melhore em outubro. “Mas se a seca se prolongar, as lavouras estarão em sério risco no próximo ano”, alerta Gutierrez, apontando para uma possível retração na produção caso as condições climáticas não se estabilizem.

Mudanças Climáticas e o Agronegócio

O agronegócio brasileiro, embora seja vital para a economia do país, também tem contribuído significativamente para as mudanças climáticas, o que agrava as condições que atualmente assolam o setor. O climatologista Carlos Nobre destaca que o setor agrícola, além de ser o principal emissor de gases de efeito estufa no Brasil, também é um dos mais vulneráveis às consequências das mudanças climáticas. A redução do desmatamento e a adoção de práticas mais sustentáveis são apontadas como soluções urgentes para evitar catástrofes futuras.

Segundo Nobre, as ações humanas estão diretamente relacionadas à intensificação das secas e dos incêndios no Brasil, especialmente na Amazônia e no Cerrado, biomas essenciais para a regulação do clima no país. A prática de queimadas, muitas vezes usada para abrir áreas para cultivo, é uma das principais causas dos incêndios que se espalham pelo território nacional, além de contribuir para a degradação do solo e a perda de biodiversidade.

O impacto das mudanças climáticas no setor agrícola é evidente, com prejuízos bilionários para a economia e para o meio ambiente. Além de comprometer a segurança alimentar global, o aumento das temperaturas e a irregularidade das chuvas representam desafios crescentes para os agricultores, que precisam adaptar suas práticas de cultivo a novas realidades.

Desafios e Medidas

Diante de um cenário tão crítico, os especialistas defendem a necessidade de políticas públicas mais eficazes para combater as mudanças climáticas e proteger o agronegócio brasileiro. O uso de tecnologias para monitoramento climático, a adoção de práticas agrícolas sustentáveis e a preservação dos biomas nacionais são algumas das soluções apontadas como essenciais para mitigar os impactos no setor.

No entanto, os desafios não são apenas climáticos. O mercado agrícola global também enfrenta pressões relacionadas à cadeia de suprimentos e à demanda por alimentos. A adoção de novas tecnologias, como a Inteligência Artificial (IA) e o uso de dados em tempo real para o monitoramento das lavouras, pode ser uma ferramenta essencial para ajudar os agricultores a enfrentar esses desafios.

O futuro da agricultura no Brasil depende da capacidade do setor de se adaptar rapidamente às mudanças climáticas e implementar soluções sustentáveis. Embora a crise atual seja uma das mais graves em décadas, ela também pode ser um ponto de virada para o agronegócio, com a adoção de práticas que não apenas protejam a produção agrícola, mas também contribuam para a preservação do meio ambiente.