Regulação da IA: Como o Brasil Pode se Inspirar na União Europeia

DA REDAÇÃO

A inteligência artificial (IA) se consolidou como uma das grandes inovações tecnológicas do século, prometendo benefícios econômicos e sociais significativos. No entanto, seu avanço acelerado também traz riscos à privacidade, agrava desigualdades, intensifica a discriminação algorítmica e provoca violações de direitos. Diante desses desafios, a regulamentação da IA tornou-se uma prioridade global, com a União Europeia (UE) se destacando como pioneira com seu Artificial Intelligence Act (AIA). O Brasil pode encontrar lições valiosas no modelo europeu, mas a simples cópia desse sistema não é o caminho ideal.

Panorama Evolutivo da Regulação da IA na União Europeia

A regulação da IA na UE evoluiu com o objetivo de equilibrar a proteção de direitos fundamentais e um ambiente propício para a inovação. O processo começou em 2017, quando o Parlamento Europeu fez recomendações para a criação de regras relacionadas à robótica e à IA. Em 2018, a Comissão Europeia lançou a Estratégia Europeia para a IA, abordando aspectos como fomento à pesquisa, impacto socioeconômico e criação de um arcabouço ético.

Esses esforços culminaram com a proposta do AIA, que foi apresentada em 2021 e formalmente adotada em 2024 após intensos debates. O AIA é o primeiro marco regulatório globalmente vinculativo, estabelecendo regras horizontais para o uso de sistemas de IA na Europa, e se baseia em uma abordagem de risco, classificando os sistemas de IA conforme seu impacto nos direitos e na segurança das pessoas.

Classificação de Riscos dos Sistemas de IA

A inovação mais notável do AIA é a classificação dos sistemas de IA em quatro níveis de risco: mínimo, limitado, alto e inaceitável. Sistemas considerados inaceitáveis, como aqueles que manipulam subliminarmente ou implementam pontuação social (semelhante ao que ocorre na China), foram banidos. Sistemas de alto risco, que impactam a saúde, segurança ou direitos fundamentais, devem atender a requisitos rigorosos, como transparência, supervisão humana e auditorias regulares.

Sistemas de risco limitado, como deepfakes e chatbots, precisam garantir que os usuários saibam que estão interagindo com uma IA. Já os sistemas de risco mínimo, que abrangem a maioria das tecnologias, como videogames ou filtros de spam, não necessitam de regulação intensa. Essa abordagem busca equilibrar inovação e segurança, incentivando o desenvolvimento de tecnologias confiáveis, sem sacrificar a proteção dos cidadãos.

Benefícios e Limitações do Modelo Europeu para o Brasil

Adotar um modelo regulatório semelhante ao da UE pode trazer diversas vantagens ao Brasil:

  1. Proteção dos Direitos Humanos e Fundamentais: O Brasil já possui uma estrutura constitucional que assegura direitos fundamentais. A regulação europeia oferece uma base sólida para proteger esses direitos em um cenário de crescente digitalização, evitando violações em um país com desigualdades históricas.
  2. Abordagem de Risco: A categorização de riscos do AIA pode ser especialmente útil para o Brasil, onde a IA já é utilizada em setores críticos, como saúde e segurança pública. Essa abordagem permitirá priorizar a regulação de sistemas com maior potencial de causar danos, sem sufocar a inovação em setores menos críticos.
  3. Alinhamento com Padrões Internacionais: A regulamentação da UE pode se tornar um padrão global, e o Brasil se beneficiar ao alinhar seu marco legal ao europeu. Isso não apenas facilita a inserção no mercado internacional, mas também fortalece a confiança de investidores estrangeiros nas soluções tecnológicas brasileiras.

Entretanto, o Brasil enfrenta limitações que devem ser consideradas:

  1. Capacidade Reguladora: Implementar um marco regulatório abrangente como o AIA exige uma capacidade institucional robusta. O Brasil ainda lida com desafios significativos em termos de coordenação entre os diferentes níveis de governo e na criação de agências de fiscalização com capacidade técnica. A experiência europeia pode oferecer lições sobre como fortalecer essas capacidades, incluindo a cooperação internacional.
  2. Adaptação ao Contexto Local: O AIA foi projetado para um contexto europeu, marcado por uma proteção social forte e uma infraestrutura tecnológica avançada. O Brasil precisa adaptar essa regulação à sua realidade socioeconômica, caracterizada por altas desigualdades e uma infraestrutura digital em desenvolvimento, evitando criar barreiras desproporcionais para empresas nacionais, especialmente pequenas e médias.
  3. Inovação e Competitividade: Apesar de buscar promover confiança em IA, o AIA pode impactar negativamente a inovação. Empresas menores, com recursos limitados para atender às exigências regulatórias, podem encontrar dificuldades para competir. O Brasil, como um país em desenvolvimento, necessita de um marco regulatório que equilibre proteção e inovação, garantindo que startups e PMEs prosperem no ambiente digital.

Qual Caminho Seguir?

Diante dessas considerações, a adoção de um modelo regulatório inspirado na UE pode trazer benefícios significativos ao Brasil, especialmente em termos de proteção dos direitos humanos e de alinhamento com padrões internacionais. Contudo, é imprescindível que esse modelo seja adaptado à realidade local, priorizando setores de maior risco e investindo na capacitação institucional necessária para garantir o cumprimento das regras.

O AIA fornece um modelo para enfrentar os riscos associados à IA, mas sua implementação exigirá um esforço coordenado entre governos, sociedade civil e setor privado. Com uma abordagem equilibrada, o Brasil pode se posicionar na vanguarda da regulação de tecnologias emergentes, garantindo que a IA seja uma força para o bem-estar social e o desenvolvimento sustentável.