
A queda do ditador Bashar al-Assad, que governou a Síria há 24 anos, trouxe o país novamente para o centro das atenções internacionais. Após semanas de intensos confrontos e a tomada da capital Damasco por rebeldes, um cenário de incerteza e reformulação política emergiu, culminando no pronunciamento televisivo, nesta terça-feira (10), do líder da oposição síria, Mohamed al-Bashir. Ao anunciar que conquistará o poder como primeiro-ministro interino até 1º de março de 2025, ele simboliza a nova fase da complexa e já longa guerra civil na Síria, que agora reassume contornos mais agudos após um período de aparente adormecimento.
O anúncio de al-Bashir ocorre em um contexto de negociações delicadas entre a oposição síria, representada por uma coalizão de diferentes grupos — incluindo os rebeldes do HTS (Hayat Tahrir al-Sham), que têm forte influência sobre a capital e o noroeste do país — e figuras do antigo governo de Assad que optaram por permanecer na Síria. Entre estes, destaca-se o primeiro-ministro Mohammed Jalali, um membro da administração anterior que encontrou no país mesmo após a fuga de Assad no último fim de semana.
A presença conjunta de al-Bashir, Abu Mohammed al-Golani (chefe do HTS) e remanescentes do governo derrubado nas negociações sugere uma tentativa de construir um caminho pacífico para o futuro político da Síria. Esse futuro, porém, está longe de ser definido, já que a transição de poder ocorre no descartável pela partida de Assad, que fugiu do país no auge da ofensiva rebelde. A ausência do ditador, cuja permanência no poder sempre dependeu fortemente do apoio de aliados externos, cria um cenário inédito, abrindo espaço tanto para o avanço da oposição quanto para a incerteza quanto à reorganização do poder.
O agora ex-ditador sírio reinava sobre um país devastado por quase 14 anos de guerra civil, iniciada em 2011, com um saldo de cerca de 500 mil mortos, milhões de deslocados e a infraestrutura nacional reduzida a escombros em diversas regiões. Apesar de manter o controle sobre a maior parte do território com a ajuda da Rússia, do Irã e do Hezbollah libanês, Assad viu sua posição enfraquecer no momento em que os conflitos geopolíticos se intensificaram em outras frentes. Com Moscou se envolveu na guerra contra a Ucrânia, Teerã lidando com o esforço crescente com Israel e o Hezbollah sofreu perdas graves, a rede de sustentação do regime se fragilizou, abrindo brechas para a ofensiva rebelde.
A tomada de Damasco pelo HTS, e dos grupos dos coligados, foi um golpe decisivo contra o regime. Assad fugiu às pressas, deixando uma vácuo de poder que agora a oposição, fragmentada e ideologicamente diversa, tenta preencher. Mohamed al-Bashir, que comandava o chamado Governo da Salvação Síria desde o reduto rebelde de Idlib, surge como um nome de consenso provisório, assumindo a chefia do governo interino. Seu pronunciamento, diante de bandeiras que refletem o passado e o presente do conflito — a verde, preta e branca da oposição e a branca com a declaração de fé islâmica do ambiente rebelde — demonstra a complexidade ideológica e simbólica do momento.
A guerra Síria, que parecia adorada nos últimos quatro anos, reandeu com força total. Agora, sem Assad, o país enfrentou um desafio monumental de proteção política, econômica e social. A ausência de aliados tradicionais do governo deposto, envolvidos nos seus próprios conflitos, significa que a Síria se tornou uma arena onde forças internacionais tentarão definir o futuro da nação. Ao mesmo tempo, o interesse internacional, embora cansado do conflito prolongado, não pode ser ignorado: potências regionais e internacionais acompanham os acontecimentos com atenção, sabendo que cada passo dado em Damasco afeta o xadrez do Oriente Médio.
O Irã, o Hezbollah e a Rússia, outros pilares do regime Assad, lidam agora com realidades específicas: a Rússia a focada na guerra na Ucrânia, o Irã pressionado por Israel e o Hezbollah sem seus principais comandantes, mortos recentemente. Isso significa que os rebeldes escolheram o momento ideal para a ofensiva, visando a retomada do poder em um contexto de menor interferência externa. A leitura do governo da Ucrânia, por exemplo, é de que o colapso da resistência interna da Síria enquanto a Rússia se encontra agitada em outro conflito demonstra que Moscou não é capaz de travar duas guerras complexas simultaneamente.
A longo prazo, os analistas apontam que a queda de Assad pode gerar um vácuo de poder perigoso, contribuindo para a desestabilização do Oriente Médio. A já intrincada geopolítica da região — com Israel, Hamas, Hezbollah e Irã envolvidos em múltiplas frentes de tensão — pode ver uma escalada ainda maior, caso a Síria não encontre rapidamente um caminho de consenso e instituição de um governo estável.
Entretanto, a determinação da oposição síria em estabelecer um governo provisório e convidar membros do antigo aparelho governamental para a mesa de negociações sinalizando um desejo, mesmo que frágil, de seguir um caminho diferente do passado recente. Al-Bashir, assumindo até março de 2025, tenta abrir espaço para que a comunidade internacional e os próprios sírios vejam no governo interino uma chance de residência.
O futuro do país dependerá, em grande medida, da capacidade das lideranças opositoras de oferecer segurança, serviços básicos e algum tipo de estabilidade às situações devastadas pela guerra. O trauma do conflito prolongado, a destruição da infraestrutura e a fragmentação social são obstáculos formidáveis. A habilidade em formar uma coalizão coesa, superar rivalidades internas, garantir que a ajuda humanitária chegue aos necessitados e não cair em lutas de poder será crucial para que esse governo interino sobreviva além de março de 2025.
A dinâmica também será influenciada pelo envolvimento de potências regionais e globais. O nível de apoio político, financeiro e diplomático que esse governo provisório obteve, assim como a ocorrência de grupos jihadistas e outras facções armadas não integradas à coalizão, moldará os rumores da nova Síria. O país precisará de investidores estrangeiros, acordos comerciais, lucros de sua economia e, principalmente, de uma visão compartilhada de futuro por sua população.
Em meio a toda essa incerteza, a figura de Mohamed al-Bashir ganhará contornos históricos. Ele será cobrado a entregar mais do que promessas: estabilidade, colapso humanitário, início de um processo de reconciliação nacional e, eventualmente, a preparação de terreno para eleições livres e justas, algo que a Síria não vê há décadas. Caso haja confusão, uma janela aberta pela queda de Assad pode se fechar rapidamente, arrastando o país de volta ao caos.
A comunidade internacional observa o desenrolar dos acontecimentos. Sem Assad, muitos se perguntam: qual será o rosto da nova Síria? Como o país equilibrará as vozes de grupos islâmicos sunitas e demais minorias, os interesses regionais e a necessidade urgente de residência? A qualidade e a firmeza do governo interino nesses próximos meses podem definir se a Síria terá finalmente um caminho para se afastar do espectro contínuo da guerra civil, ou se permanecerá presa ao ciclo vicioso de violência e intervenções.
Enquanto isso, o relógio corre. O limite de dados estabelecido por Mohamed al-Bashir, 1º de março de 2025, coloca uma meta concreta. O mundo aguarda para ver se a oposição Síria será capaz de conquistar algo que Assad nunca conseguiu: a legitimação interna e o reconhecimento internacional baseado não no poder das armas, mas no poder da família.