
Durante encontro diplomático em Brasília com o presidente chileno Gabriel Boric, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta terça-feira (22) que a política comercial adotada pelos Estados Unidos não favorece nem a si próprios, tampouco o restante do mundo. A declaração foi feita em tom crítico ao atual cenário internacional, especialmente após sucessivas decisões protecionistas adotadas por Donald Trump, que voltou à presidência dos EUA em 2025 e intensificou o uso de tarifas como instrumento geopolítico.
Lula apontou que, embora compreenda as disputas por hegemonia entre grandes potências, o Brasil não deve se ver compelido a escolher lados, rejeitando a lógica de uma nova Guerra Fria. Ele reforçou a importância do diálogo multilateral e da diplomacia como ferramentas centrais para a estabilidade internacional e para a promoção do comércio justo. Segundo o mandatário brasileiro, é necessário que os países sentem à mesa para negociar, “por mais difícil que seja”.
As declarações surgem no contexto da visita oficial de Gabriel Boric ao Brasil, que incluiu reuniões bilaterais e um almoço diplomático no Itamaraty. O encontro foi marcado por um discurso de aproximação entre os dois governos e pela defesa de uma América Latina mais unida e proativa diante das turbulências globais.
No centro das falas de Lula está a crítica ao endurecimento da política comercial norte-americana sob a gestão Trump. Desde o início do novo mandato, o governo dos EUA ampliou barreiras tarifárias não apenas contra a China, mas também contra países latino-americanos, incluindo o Brasil. Tais medidas afetam diretamente cadeias produtivas, dificultam exportações e elevam os custos de importação para consumidores norte-americanos e parceiros comerciais.
Lula destacou que o atual modelo adotado por Washington compromete não só o livre comércio, mas também as relações diplomáticas entre blocos. Para ele, o uso de tarifas punitivas como estratégia geopolítica não contribui com a solução de conflitos, mas sim aprofunda as divisões entre países e instiga um ambiente de instabilidade econômica.
Além disso, o presidente reforçou a posição do Brasil como ator de relevância na geopolítica latino-americana e global. “Temos que assumir o papel de indutor, dada nossa importância e nosso tamanho”, afirmou. A fala de Lula dialoga com sua estratégia diplomática de reconstruir a imagem do país no exterior como liderança propositiva, voltada ao desenvolvimento sustentável, à cooperação regional e à defesa de uma nova governança global mais inclusiva.
Durante o encontro, Lula mencionou que o Brasil busca manter relações estratégicas tanto com os Estados Unidos quanto com a China, sem se alinhar completamente a um dos polos. “Eu não quero Guerra Fria”, enfatizou. A frase foi interpretada como um recado direto aos dois países, sinalizando que o Brasil pretende preservar sua autonomia diplomática e não se submeter a pressões de alinhamento incondicional.
As tensões entre EUA e China vêm impactando o comércio global desde o primeiro mandato de Trump, em 2018. A recente escalada tarifária adicionou novas camadas ao impasse. Trump impôs sobretaxas em diversos setores, afetando cadeias logísticas, investimentos e acordos já estabelecidos. Em contrapartida, Pequim também adotou medidas retaliatórias, o que reacendeu a preocupação global com os riscos de desglobalização e fragmentação econômica.
No Brasil, os impactos já começam a ser sentidos por setores exportadores, especialmente os ligados ao agronegócio e à indústria de transformação, que dependem fortemente de mercados como o chinês e o americano. A instabilidade afeta a confiança de investidores e amplia as incertezas sobre a recuperação econômica brasileira no médio prazo.
Lula e Boric demonstraram alinhamento na defesa do multilateralismo e do fortalecimento de blocos como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e o Mercosul. Para ambos, é preciso que a região atue de forma mais coordenada para fazer frente aos desafios impostos pelas grandes potências e garantir maior protagonismo global.
O presidente chileno, por sua vez, elogiou o posicionamento de Lula e reiterou que a América Latina precisa buscar uma agenda comum baseada na democracia, nos direitos humanos e no crescimento econômico com inclusão social. Boric afirmou que o Chile está comprometido com uma diplomacia ativa e solidária.
O encontro também serviu como palco para o anúncio de novas cooperações nas áreas de meio ambiente, transição energética e direitos sociais. Os presidentes assinaram memorandos de entendimento que preveem ações conjuntas na defesa da Amazônia, incentivo à produção de energia limpa e combate à pobreza.
As falas de Lula se somam a um conjunto de posicionamentos recentes do governo brasileiro em fóruns internacionais, nos quais tem defendido maior equilíbrio nas relações comerciais, reforma das instituições multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e um modelo de globalização mais justo.
A nova postura do governo Lula tenta reafirmar o Brasil como mediador diplomático e parceiro confiável em meio ao recrudescimento das disputas internacionais. Ao adotar um discurso moderado, mas firme, o presidente sinaliza que o país não aceitará ser instrumento de rivalidades alheias, reforçando a tradição diplomática brasileira de não intervenção, negociação e protagonismo autônomo.
Diante do atual cenário internacional marcado por incertezas, disputas e discursos polarizados, a busca de Lula por uma via multilateral, pragmática e soberana torna-se não apenas uma estratégia de governo, mas uma resposta diplomática ao momento crítico que vive o sistema global. E, ao lado de Boric, o presidente brasileiro reforça a esperança de que a América Latina possa, enfim, encontrar um caminho comum, distante da lógica da guerra e mais próxima do diálogo.