
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu pautar um requerimento de urgência que proíbe a validação de delações premiadas fechadas com presos e criminaliza a divulgação do conteúdo dos depoimentos. A delação premiada é um meio de obtenção de prova onde o acusado ou indiciado troca benefícios, como redução da pena ou progressão de regime, por detalhes do crime cometido. A proposta foi apresentada em 2016 pelo advogado e então deputado do PT, Wadih Damous, durante o governo de Dilma Rousseff e em meio ao avanço da operação Lava Jato.
O projeto foi protocolado semanas antes da divulgação da delação premiada do ex-senador Delcídio Amaral, que provocou um impacto político significativo em Brasília. Inicialmente, a intenção era proibir que réus presos da Lava Jato delatassem para obter benefícios, evitando a divulgação de conteúdo que pudesse prejudicar o governo do PT. Atualmente, com expoentes da extrema-direita envolvidos em atos golpistas e episódios relacionados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o projeto pode beneficiar essa ala ao evitar que prisões sejam usadas como instrumento de pressão psicológica para obter confissões.
Além disso, ainda não está claro se o texto pode ou não retroagir para anular delações premiadas já validadas, como a do ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid, que atinge diretamente o ex-presidente. Mauro Cid foi solto por determinação do ministro do STF, Alexandre de Moraes.
O requerimento de urgência permite a votação do texto diretamente em plenário. A competência para colocar em votação, no entanto, é do presidente da Câmara. O primeiro signatário é o deputado Luciano Amaral (PV-AL), que, embora pertença a um partido que integra a federação partidária com PT e PCdoB, votou pela soltura do deputado Chiquinho Brazão, acusado de ser um dos mandantes da execução da vereadora Marielle Franco. Além dele, assinam o requerimento os líderes Romero Rodrigues (PODE-PB), Elmar Nascimento (União Brasil-BA), Aureo Ribeiro (SDD-RJ), Altineu Côrtes (PL-RJ) e Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL).
Conforme o texto, só poderá ser validada pela justiça a delação premiada se o acusado ou indiciado estiver respondendo em liberdade ao processo ou investigação instaurados em seu desfavor. A proposta também cria pena de 1 a 4 anos e multa para quem divulgar o conteúdo dos depoimentos colhidos, estejam eles pendentes ou não de validação judicial. “A medida se justifica para preservar o caráter voluntário do instituto e para evitar que a prisão cautelar seja utilizada como instrumento psicológico de pressão sobre o acusado ou indiciado o que fere a dignidade da pessoa humana, alicerce do estado democrático de direito”, diz a justificativa apresentada pelo deputado para protocolar o projeto.
O texto não especifica se as novas regras retroagiriam para atingir delações premiadas já homologadas, como a de Mauro Cid. Juristas avaliam que, por se tratar de matéria de direito processual penal, as regras não poderiam retroagir para afetar delações já homologadas. Neste cenário, Bolsonaro não seria beneficiado com a invalidação das acusações e provas apresentadas pelo ajudante de ordens. Em entrevista, o autor do texto reforçou esta posição, afirmando que o projeto foi apresentado dentro de um determinado contexto e criticando a manipulação oportunista do texto.
Parlamentares ouvidos pelo g1 afirmam que o tema deve ser judicializado e a decisão caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na avaliação deles, não há clima para a anulação de delações já homologadas que envolvem Bolsonaro. “A questão da retroação ou não é norma processual, ela vige da sua edição pra frente. Aquele ato processual estaria válido, mas se aprovar lei haverá brechas para questionamento”, afirmou o advogado criminalista Michel Saliba.
Outro ponto de controvérsia é a possibilidade de criminalizar a imprensa. Segundo especialistas, este trecho do projeto é inconstitucional. “Seria inconstitucional. O trabalho da imprensa, como ela obtém ou deixa de obter algo, é o sigilo da fonte. É algo que deve ser respeitado. É algo fundante para o estado democrático de direito”, afirmou Saliba.
A expectativa é que a medida seja debatida intensamente na Câmara dos Deputados, dado o impacto que pode ter tanto para o sistema de justiça quanto para a liberdade de imprensa e a transparência nas investigações criminais.