Justiça suspende resolução do CFF que permitia farmacêuticos prescreverem medicamentos

DA REDAÇÃO

Em uma decisão que está gerando controvérsia no setor de saúde, a Justiça Federal suspendeu nesta segunda-feira, 31 de março de 2025, a resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) que autorizava farmacêuticos a prescrever medicamentos, inclusive aqueles que exigem receita médica. A decisão liminar foi tomada pelo juiz Aalôr Piacini, da 17ª Vara Federal Civil do Distrito Federal, após ação impetrada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que questiona a legalidade da norma. A medida vem em um momento em que a discussão sobre os limites de atuação dos profissionais da saúde se intensifica no Brasil.

O Papel do Farmacêutico na Prescrição de Medicamentos

A resolução suspensa, publicada no Diário Oficial de 17 de março, visava alterar significativamente o papel dos farmacêuticos nas farmácias brasileiras. De acordo com a norma, farmacêuticos com Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em Farmácia Clínica estariam autorizados a prescrever medicamentos, renovar prescrições de outros profissionais e realizar exames para avaliar a eficácia do tratamento.

O CFF argumenta que essa medida visa ampliar o papel do farmacêutico na assistência ao paciente, aproveitando sua qualificação para promover um atendimento mais integrado. A resolução estabelecia ainda que os farmacêuticos poderiam realizar exames físicos, como verificação de sinais e sintomas, além de solicitar e interpretar exames para avaliar a efetividade dos tratamentos.

A ideia por trás dessa mudança era facilitar o acesso a medicamentos e tratamentos, além de dar aos farmacêuticos uma função mais ativa no cuidado à saúde. A medida também tinha como objetivo aliviar a pressão sobre os médicos, permitindo que farmacêuticos prescrevessem medicamentos em casos mais simples, como no caso de doenças comuns.

A Reação do Conselho Federal de Medicina (CFM)

A resolução foi amplamente contestada por entidades médicas, especialmente pelo CFM, que entrou com uma ação judicial para anular a norma. O argumento central do CFM é que farmacêuticos não possuem a capacitação técnica e legal necessária para diagnosticar doenças e prescrever tratamentos. O CFM considera que a prescrição de medicamentos é uma atividade exclusiva dos médicos, que são os profissionais habilitados para diagnosticar e tratar doenças de maneira segura e eficaz.

Em sua ação, o CFM afirmou que os farmacêuticos, embora possuam conhecimento em farmacologia e medicamentos, não têm formação médica e, portanto, não estão aptos a realizar diagnósticos ou definir tratamentos. A entidade também questiona a legalidade da resolução, argumentando que apenas uma lei aprovada pelo Congresso Nacional poderia conceder aos farmacêuticos atribuições tão amplas no campo da prescrição.

A Decisão da Justiça e os Implicações Jurídicas

O juiz Aalôr Piacini, ao acatar o pedido do CFM, suspendeu os efeitos da resolução, argumentando que o balcão de uma farmácia não é o local adequado para diagnósticos e tratamentos médicos. Na sua decisão, o juiz destacou que qualquer iniciativa para atribuir aos farmacêuticos funções típicas de médicos deveria passar por um amplo debate legislativo, com a participação da sociedade e das partes interessadas.

A decisão liminar tem caráter temporário, enquanto o mérito da ação ainda será julgado. Caso o CFF não recorra ou se o julgamento final se mantiver, a resolução que autoriza farmacêuticos a prescrever medicamentos poderá ser invalidada permanentemente. A decisão também estipula que o CFF divulgue a sentença em seus canais oficiais, sob pena de multa diária de R$ 100 mil.

A Polêmica sobre os Limites Profissionais no Setor da Saúde

A disputa jurídica entre o CFF e o CFM reflete um movimento mais amplo no setor de saúde no Brasil, onde há uma crescente pressão para redefinir os limites de atuação de diferentes profissionais. Nos últimos anos, assistimos a um aumento das discussões sobre a atuação de farmacêuticos e enfermeiros em áreas como prescrição de medicamentos e procedimentos médicos.

O debate também se estende a áreas como a medicina estética e outras especialidades, onde as fronteiras entre as funções de médicos, dentistas, farmacêuticos e outros profissionais de saúde têm sido cada vez mais questionadas. Algumas dessas discussões surgem como resposta à demanda crescente por serviços médicos e à necessidade de reduzir o tempo de espera em consultas e atendimentos, principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS).

A Perspectiva do CFF: Prescrição de Medicamentos não é Exclusividade dos Médicos

O Conselho Federal de Farmácia, por sua vez, rebateu as críticas do CFM, afirmando que a prescrição de medicamentos não é uma atividade privativa dos médicos. O CFF justifica sua posição citando a regulamentação de outras práticas, como a prescrição de profilaxia pré e pós-exposição ao HIV (PrEP e PEP), que já é realizada por farmacêuticos e enfermeiros, com o respaldo do Ministério da Saúde.

Além disso, o CFF argumenta que a resolução está fundamentada nas diretrizes curriculares do curso de Farmácia e nas normas que regem a profissão. A entidade também destaca que os farmacêuticos não teriam permissão para prescrever medicamentos que exigem receita de controle rigoroso, como os de tarja preta.

O Impacto na Prática Profissional e no Mercado de Saúde

A decisão judicial levanta importantes questões sobre o futuro da prática farmacêutica no Brasil. Se a resolução for finalmente invalidada, isso poderá limitar a expansão do papel dos farmacêuticos no atendimento à saúde, restringindo-os ao trabalho tradicional nas farmácias. Por outro lado, se a resolução for mantida, isso poderia significar uma mudança substancial na dinâmica do mercado de saúde, especialmente no que diz respeito ao acesso a tratamentos médicos e ao papel dos profissionais no cuidado ao paciente.

O impacto dessa decisão também se estende ao mercado de saúde mais amplo, onde a concorrência entre diferentes profissões e entidades profissionais está cada vez mais acirrada. As novas regulamentações podem trazer benefícios em termos de acessibilidade aos serviços de saúde, mas também exigem uma maior clareza sobre os limites de atuação de cada profissão.