
Em meio a uma nova escalada da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, impulsionada pelas recentes tarifas impostas pelo presidente Donald Trump, agricultores americanos enfrentam um cenário de incerteza, perdas e decisões difíceis. Entre os mais impactados estão os produtores de sorgo, que viram suas exportações para o principal parceiro comercial despencarem 95% nos dois primeiros meses de 2025.
Apesar do golpe direto no mercado, muitos agricultores optaram por expandir o plantio da cultura, movidos pela escassez de alternativas viáveis e pela resistência do sorgo à seca, num contexto climático adverso. Esse paradoxo — queda na demanda externa, mas aumento no cultivo — sintetiza o dilema vivido por milhares de produtores rurais nos Estados Unidos, especialmente no cinturão agrícola do Meio-Oeste.
Exportações praticamente estagnadas: de 1,4 milhão para 78 mil toneladas
A China, que respondeu por quase 90% das exportações de sorgo dos EUA em 2024, praticamente desapareceu como cliente em 2025. Segundo dados oficiais do governo norte-americano, as exportações da commodity para o mercado chinês caíram de mais de 1,4 milhão de toneladas métricas entre janeiro e fevereiro de 2024 para apenas 78.316 toneladas no mesmo período deste ano — uma redução drástica de 95%.
Na semana encerrada em 3 de abril, a China comprou apenas 244 toneladas métricas, após três semanas consecutivas sem nenhuma aquisição. O sinal é claro: o impacto das tarifas impostas por ambos os lados do conflito comercial está interrompendo o fluxo de comércio agrícola, afetando diretamente a renda e a estratégia de produção de milhares de fazendeiros.
Trump intensifica tarifas e Pequim reage com força
Desde fevereiro de 2025, o governo Trump vem aumentando as tarifas sobre produtos chineses, iniciando com uma alíquota de 10% e ampliando progressivamente as taxas. Em resposta, a China elevou suas tarifas sobre produtos agrícolas americanos para 125% na semana passada, tornando o sorgo dos EUA economicamente inviável para os importadores chineses.
A ação foi especialmente dolorosa para os agricultores, que há anos apoiam majoritariamente Donald Trump. Alguns, como Dan Atkisson, produtor em Stockton, Kansas, começam a questionar se a fidelidade política continua valendo a pena frente às dificuldades econômicas. “Se avançarmos e as coisas não forem bem conduzidas, poderemos repensar algumas dessas coisas”, declarou ele à Reuters.
Ainda assim, Atkisson planeja expandir o plantio de sorgo em 25% este ano, totalizando cerca de 405 hectares. Ele aposta na rotação de culturas e na resiliência do sorgo em condições climáticas adversas como forma de mitigar riscos.
Plantio de sorgo cresce enquanto soja e trigo encolhem
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) informou que os agricultores pretendem aumentar o plantio de grãos em 4% em 2025 — o maior volume desde 2023. Ao mesmo tempo, o plantio de soja deve atingir o menor nível em cinco anos, e o de trigo de primavera deve cair ao menor patamar desde 1970.
A explicação está na resistência do sorgo à seca, fator determinante para muitas decisões agrícolas neste ano. Além disso, a cultura apresenta um custo de sementes mais baixo que o milho, o que a torna uma opção atraente em tempos de margens apertadas.
Ajuda do governo é esperada, mas ainda incerta
Apesar do otimismo de alguns produtores, a realidade do mercado interno também é desafiadora. Sem a demanda chinesa, os preços pagos pelo sorgo nos EUA caíram, pressionando ainda mais os produtores. Boa parte do grão está sendo destinada à produção de etanol ou à alimentação de gado, mercados que pagam menos do que o valor recebido por exportação.
Brooke Rollins, secretária de Agricultura dos EUA, afirmou que o governo está avaliando um plano de auxílio, mas que ele pode levar meses para ser anunciado. Durante o primeiro mandato de Trump, bilhões de dólares foram distribuídos para compensar perdas causadas pelas tarifas chinesas — medida que muitos esperam ver repetida em 2025.
A Casa Branca, por sua vez, adotou um tom confiante. Segundo a porta-voz Anna Kelly, “Trump ampliará os mercados para o setor agrícola dos EUA e garantirá que os agricultores tenham o apoio necessário para alimentar o mundo.”
Perspectivas para 2025: queda nas exportações e competição com o Brasil
O USDA estima que as exportações totais de sorgo em 2024-25 cairão 58% em relação ao ciclo anterior, totalizando 2,54 milhões de toneladas métricas — o menor volume desde 2018-19, quando a guerra comercial entre EUA e China também provocou forte retração nas exportações.
Além disso, os agricultores norte-americanos enfrentam concorrência crescente do Brasil, que tem se consolidado como o principal fornecedor de soja e milho para a China. A mudança estrutural no comércio global pode se tornar permanente, caso os entraves comerciais entre Washington e Pequim não sejam resolvidos.
Desafio climático aumenta peso das decisões de plantio
As condições climáticas em 2025 também estão influenciando as decisões dos agricultores. A persistência de seca em diversas regiões do Meio-Oeste favorece culturas mais resistentes, como o sorgo, que demanda menos irrigação e se adapta melhor a solos secos. Nesse sentido, muitos produtores consideram o sorgo uma espécie de “cultura-refúgio”, ainda que menos rentável.
Por outro lado, o custo da incerteza é alto. As tarifas, os preços instáveis e a ausência de garantias sobre subsídios governamentais tornam o cenário altamente volátil.
Entre o pragmatismo e a política, o produtor tenta sobreviver
A guerra comercial iniciada por Trump e intensificada em 2025 trouxe repercussões imediatas e severas para o setor agrícola dos EUA. O sorgo, símbolo da dependência dos produtores em relação ao mercado chinês, virou um campo de batalha onde decisões políticas e necessidades econômicas se enfrentam diretamente.
Apesar da queda vertiginosa nas exportações, os agricultores seguem plantando — por necessidade, por esperança de uma solução diplomática, ou por falta de opções melhores. No entanto, à medida que o ciclo eleitoral se aproxima e os impactos comerciais se tornam mais evidentes, o apoio ao governo pode começar a vacilar, mesmo entre seus aliados mais históricos.
O futuro do sorgo americano dependerá, portanto, não apenas do clima ou dos preços internacionais, mas da capacidade de conciliar interesses agrícolas com políticas comerciais sustentáveis. Até lá, os campos do Kansas e de tantos outros estados continuarão cultivando incertezas junto com seus grãos.