
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende dar um passo ousado na política comercial regional ao propor a inclusão de dois produtos historicamente considerados sensíveis nas normas comerciais do Mercosul: automóveis e açúcar. A medida visa aprofundar a integração econômica entre os países do bloco e modernizar acordos que há décadas evitam tratar diretamente desses setores por causa de disputas internas.
Até hoje, automóveis e açúcar foram sistematicamente mantidos fora da Tarifa Externa Comum (TEC) e dos demais dispositivos de livre comércio previstos no tratado que rege o bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O motivo sempre foi a pressão de setores industriais e agrícolas desses países, que veem riscos à competitividade e ao equilíbrio da balança comercial.
Com a nova proposta, o governo Lula quer rever esse modelo, argumentando que é hora de tratar os temas com maturidade política e visão estratégica de longo prazo. Para isso, o Itamaraty já iniciou articulações diplomáticas com os demais membros do bloco, principalmente com Argentina e Uruguai, que historicamente impuseram barreiras ao açúcar brasileiro e têm regras protecionistas no setor automotivo.
Segundo integrantes da equipe econômica, a ideia é negociar uma transição gradual, com cronogramas de redução tarifária, regras de origem específicas e mecanismos de salvaguarda, de modo a evitar impactos abruptos nos setores mais vulneráveis. A meta do Brasil é destravar o potencial de exportações tanto de veículos quanto de açúcar, dois segmentos em que o país é um dos maiores produtores globais.
No caso dos automóveis, a proposta envolveria a criação de um regime comum, com incentivos à complementaridade industrial e à integração das cadeias produtivas, aproveitando as sinergias regionais. Já no açúcar, o foco está na remoção de cotas e restrições impostas por Argentina e Uruguai, que há anos limitam a entrada do produto brasileiro, mesmo com sua alta competitividade no mercado mundial.
Para o presidente Lula, a inclusão desses produtos no Mercosul não é apenas uma questão econômica, mas também política e simbólica. O chefe do Executivo acredita que a medida pode servir como catalisador de uma nova fase do bloco, menos dependente de acordos protecionistas e mais sintonizado com os desafios da economia global.
“A maturidade do Mercosul exige enfrentar os temas que antes eram evitados. Não faz sentido termos uma união aduaneira incompleta”, afirmou um diplomata ligado ao Palácio do Planalto. Ele acrescenta que, se aprovada, a proposta pode abrir caminho para avanços também em outros setores travados por acordos bilaterais paralelos.
Apesar das intenções do governo brasileiro, o caminho até a concretização da medida não será simples. A indústria automotiva da Argentina, por exemplo, resiste à abertura irrestrita, temendo perder mercado para as montadoras instaladas no Brasil, que possuem maior escala e estrutura tecnológica. Já os produtores de açúcar do Uruguai têm receio de que a entrada do produto brasileiro em grande volume desestabilize os preços locais.
Analistas consideram, no entanto, que a conjuntura atual pode favorecer o avanço da proposta. O Mercosul enfrenta críticas internas e externas pela lentidão nas reformas e pela manutenção de acordos comerciais defasados. Ao mesmo tempo, cresce a pressão por maior competitividade, principalmente diante da aproximação do bloco com a União Europeia e da necessidade de responder às demandas ambientais e comerciais globais.
Para o economista e especialista em integração regional Rodrigo Aguilar, “trazer automóveis e açúcar para dentro das regras do Mercosul é uma forma de reforçar o compromisso do bloco com o livre comércio e com a competitividade regional. É uma sinalização importante de que os países estão dispostos a modernizar suas estruturas e enfrentar os desafios internos.”
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) manifestou apoio cauteloso à medida, destacando que é fundamental garantir equilíbrio entre os interesses dos países e previsibilidade regulatória. Já a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) avalia que a inclusão do açúcar pode representar um marco histórico para o setor sucroalcooleiro, que há décadas reivindica tratamento justo dentro do bloco.
Com as negociações ainda em fase inicial, a expectativa é de que o tema seja debatido na próxima cúpula do Mercosul, prevista para o segundo semestre de 2025. Caso haja consenso, será necessário elaborar um novo protocolo adicional ao Tratado de Assunção, com prazos e regras específicas para cada produto.
Enquanto isso, o governo Lula segue apostando na diplomacia econômica como ferramenta de integração e desenvolvimento regional. Para o Planalto, abrir mercados é parte essencial da estratégia de reindustrialização e de valorização do agronegócio brasileiro.
A proposta pode, se implementada com sucesso, marcar uma virada na história do Mercosul transformando-o, finalmente, em um bloco com vocação plena para o comércio e a integração produtiva. A decisão de incluir automóveis e açúcar será, portanto, mais do que uma medida comercial: será um teste da capacidade política do bloco de se reinventar e responder às exigências do século XXI.