
O gigante da tecnologia Google está sendo alvo de uma das maiores ações coletivas já registradas no Reino Unido. Apresentada ao Tribunal de Apelação da Concorrência nesta terça-feira (16), a ação alega que a empresa abusou de sua posição dominante no mercado de buscas online, causando prejuízos estimados em até 5 bilhões de libras (equivalente a US$ 6,6 bilhões) a milhares de empresas que dependem dos seus serviços de publicidade digital.
A queixa judicial se baseia na acusação de que o Google explorou indevidamente seu poder de mercado para impor práticas que restringem a concorrência, especialmente na área de publicidade vinculada a resultados de busca. O processo aponta que a empresa impôs contratos a fabricantes de celulares Android para pré-instalar seu buscador e navegador Chrome, além de ter pago à Apple para ser o motor de busca padrão nos iPhones, eliminando as opções para concorrentes e para os próprios consumidores.
Domínio quase absoluto sobre o mercado de buscas
De acordo com a Autoridade de Concorrência e Mercados do Reino Unido (CMA), o Google detém 90% do mercado de buscas no país. Isso significa que a imensa maioria das pesquisas realizadas por cidadãos britânicos, e também por empresas que desejam anunciar, passam obrigatoriamente pelo ecossistema da empresa californiana.
Mais de 200 mil empresas utilizam os serviços do Google para publicidade digital no Reino Unido. A denúncia, liderada pela professora e especialista em direito da concorrência Or Brook, argumenta que essas empresas pagam mais do que deveriam por anúncios digitais, justamente pela ausência de um ambiente competitivo real.
Publicidade mais cara e dependência forçada
Segundo a petição, a vantagem do Google não se limita apenas ao volume de buscas. Alega-se que a empresa desenvolveu funcionalidades de seu buscador para favorecer exclusivamente sua própria plataforma de anúncios, deixando os concorrentes em desvantagem técnica.
Or Brook afirma que as empresas praticamente não têm escolha a não ser usar os serviços do Google para anunciar seus produtos. “Os órgãos reguladores de todo o mundo descrevem o Google como um monopólio. Ele aproveita esse domínio para cobrar mais dos anunciantes”, declarou em comunicado à imprensa.
Além disso, a queixa observa que o buscador do Google oferece recursos mais avançados quando integrado aos seus próprios sistemas de anúncios, o que cria um círculo de retroalimentação que perpetua sua liderança de mercado.
Resposta do Google: “Mais um caso especulativo”
Em nota, o Google classificou a ação como “mais um caso especulativo e oportunista”, prometendo se defender vigorosamente no tribunal. Um porta-voz da companhia disse que “os consumidores e anunciantes usam o Google porque ele é útil, e não porque não há alternativas”.
A empresa também defende que sua liderança no setor se deve à qualidade de seus produtos e serviços, e não à imposição de práticas anticompetitivas. “O Google oferece valor real para consumidores e empresas ao redor do mundo”, concluiu o porta-voz.
Reguladores intensificam vigilância sobre big techs
O processo no Reino Unido acontece em paralelo a uma investigação regulatória mais ampla, lançada pela CMA em janeiro de 2025. Essa investigação visa examinar os serviços de busca do Google e seu impacto direto sobre o mercado de publicidade digital, questionando se as práticas comerciais da empresa limitam a inovação, impedem o surgimento de concorrentes e prejudicam os anunciantes com preços inflacionados.
Além disso, autoridades antitruste de outros países, como os Estados Unidos e membros da União Europeia, também têm intensificado o cerco contra grandes empresas de tecnologia. Google, Apple, Amazon e Meta estão frequentemente no centro dessas ações por supostos abusos de posição dominante, seja na publicidade, nas lojas de aplicativos ou nos serviços de busca.
Casos semelhantes ganham força global
Não é a primeira vez que o Google se vê às voltas com processos milionários em diferentes países. A empresa já foi multada em mais de 9 bilhões de euros pela União Europeia desde 2017 por práticas anticompetitivas, incluindo favorecimento de seus próprios serviços em detrimento de concorrentes.
Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça também processa o Google por monopolizar o mercado de busca e publicidade digital. O julgamento deve ocorrer ainda este ano e poderá ter implicações relevantes para o mercado global.
O caso do Reino Unido, entretanto, se destaca por envolver uma ação coletiva em nome de milhares de empresas prejudicadas, potencialmente abrindo precedente para processos semelhantes em outras jurisdições.
A fragilidade de um sistema sem concorrência
O cerne da discussão vai além de valores financeiros ou cláusulas contratuais. A ação contra o Google coloca em xeque o funcionamento de um dos pilares da economia digital: o acesso à informação e à publicidade em plataformas abertas.
Ao controlar o ponto de entrada para boa parte da internet — as buscas — e ao concentrar o poder sobre como, onde e por quanto os anúncios são exibidos, o Google pode influenciar de maneira desproporcional o sucesso ou fracasso de empresas que dependem da visibilidade online.
Especialistas alertam que essa dependência não só sufoca a concorrência, mas também pode inibir a inovação, desestimular o surgimento de novos players e concentrar ainda mais riqueza e influência nas mãos de poucas empresas globais.
Conclusão: o julgamento que pode redefinir os limites do poder digital
A ação bilionária contra o Google no Reino Unido será acompanhada com atenção por autoridades, empresas e consumidores ao redor do mundo. Caso a justiça britânica reconheça que a empresa abusou de sua posição dominante, isso pode representar um marco no esforço global por maior regulação das plataformas digitais.
Mais do que uma disputa jurídica, o caso reacende o debate sobre a governança da internet, a liberdade de escolha dos consumidores e a necessidade de um ambiente digital mais justo, plural e transparente. O desfecho poderá não apenas afetar o Google, mas moldar os contornos do mercado tecnológico para os próximos anos.