
Na manhã de segunda-feira (28), o mundo testemunhou mais um episódio que evidencia a fragilidade das infraestruturas digitais modernas. Um apagão de grande escala atingiu países da Europa como Portugal, Espanha, França, Alemanha e, surpreendentemente, também Marrocos. Milhões ficaram sem eletricidade, serviços básicos foram paralisados e o cotidiano de grandes centros urbanos mergulhou no caos. Embora ainda não confirmado oficialmente, a hipótese de um ciberataque é, para muitos especialistas, a mais provável — e assustadora.
O episódio remete ao colapso digital global ocorrido em 2024, quando uma falha em atualização da empresa de segurança CrowdStrike desencadeou uma falência em cadeia nos sistemas operacionais de grandes corporações e governos. Naquele ano, aeroportos, hospitais e redes bancárias ficaram paralisados por horas, provando que a automação de sistemas essenciais não é apenas um avanço tecnológico, mas também uma vulnerabilidade latente.
Apesar de ainda não haver provas definitivas de que o apagão atual na Europa tenha origem criminosa, os indícios apontam para o risco concreto de um ataque coordenado. Órgãos como o Instituto Nacional de Segurança Cibernética da Espanha e o Centro Nacional de Segurança Cibernética de Portugal divulgaram comunicados negando evidências conclusivas, mas reforçaram que a investigação continua. Enquanto isso, a população lida com os efeitos de um colapso que pode voltar a se repetir a qualquer momento.
Marcelo Branquinho, CEO da TI Safe, uma das principais empresas brasileiras de cibersegurança industrial, reforça que a digitalização total dos sistemas de energia — da geração à distribuição — aumentou exponencialmente os riscos. “Hoje, o grid elétrico é totalmente digital. Subestações, se forem comprometidas, podem causar desligamentos em cadeia como resposta automática de proteção. É possível gerar apagões em larga escala com um clique”, explica o especialista.
O alerta é ampliado por Eduardo Freire, estrategista de inovação e autor do método Project Thinking. Segundo ele, governos e corporações ainda enxergam a segurança digital como projeto auxiliar, e não como parte integral da estratégia. “Vivemos uma sociedade que depende da tecnologia como nunca antes. Tratar cibersegurança como um projeto emergencial é um erro sistêmico. Precisamos encarar esse tema como algo tão crítico quanto a segurança nacional”, afirma.
A situação europeia ganhou contornos ainda mais delicados após o serviço de inteligência da Holanda divulgar um alerta oficial. Segundo o documento emitido pelo MIVD (Serviço de Inteligência e Segurança Militar), a Rússia estaria intensificando ataques híbridos contra países europeus, mesmo com a possibilidade de um fim próximo do conflito com a Ucrânia. No relatório, diversos ciberataques já realizados são citados, incluindo um que afetou o controle de um órgão público holandês e outro que comprometeu o abastecimento de água potável na Espanha, no último dia 24 de abril.
Diante desse cenário, cresce a pergunta inevitável: o Brasil está preparado?
Segundo Marcelo Branquinho, a resposta não é reconfortante. “O Brasil está vulnerável, sim. Mas não estamos sozinhos: o mundo inteiro está. Hoje, os ataques são organizados por grupos estruturados, com motivação econômica e atuação transnacional”, diz.
Branquinho alerta ainda para a estrutura do setor elétrico brasileiro, em que empresas privadas, muitas delas de origem estrangeira, controlam boa parte da geração e distribuição de energia. “Isso por si só não é um problema. O problema é que essas empresas podem se tornar vetores indiretos de contaminação. Um ataque à matriz na Europa pode chegar às subsidiárias no Brasil por meio de redes compartilhadas e sistemas interligados.”
O caso do grupo espanhol Iberdrola, que controla a Neoenergia no Brasil, é emblemático. A empresa abastece milhões de brasileiros em cinco estados. Um ransomware que atinja sua matriz na Europa pode comprometer toda a estrutura de distribuição no território nacional. “Esse é o risco de uma economia interconectada sem blindagem proporcional”, afirma Branquinho.
Enquanto os governos europeus se mobilizam para investigar a origem do colapso e mitigar seus impactos, a urgência por uma resposta coordenada e global cresce. O apagão é mais do que uma interrupção de energia — é um sinal claro de que as guerras do futuro já começaram, e o campo de batalha está nas redes e servidores que sustentam a infraestrutura do mundo moderno.
A depender das investigações em curso, este poderá ser mais um capítulo da guerra invisível travada no ciberespaço. Para o Brasil, é hora de sair da retaguarda. A ameaça não é abstrata, tampouco distante. Com sistemas igualmente digitalizados e uma política ainda frágil em ciberdefesa, o país precisa se preparar — ou será apenas uma questão de tempo até que um apagão semelhante apague mais do que as luzes.