
No Congresso Nacional, a discussão sobre a reforma das jornadas de trabalho volta à pauta com força total, especialmente com a proposta da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que visa reduzir a jornada máxima de trabalho no Brasil para 36 horas semanais, distribuídas em quatro dias de trabalho, em vez de cinco ou seis. Esse movimento tem gerado ampla repercussão nas redes sociais e um intenso debate público, com setores que defendem a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores, ao passo que outros apontam os riscos econômicos e de empregabilidade, especialmente para pequenas empresas e setores que operam em regime contínuo.
A proposta ainda não foi formalizada como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na Câmara dos Deputados, mas a deputada Erika Hilton tem mobilizado o apoio de colegas e da sociedade para garantir o mínimo de 171 assinaturas, número necessário para que a proposta comece a tramitar oficialmente na Casa. Com mais de 100 apoios já conquistados, o texto busca modificar a Constituição e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), reduzindo a carga horária para um máximo de 8 horas diárias e 36 horas semanais, com a jornada distribuída em 4 dias de trabalho, ao invés do modelo tradicional de 6×1.
O movimento em prol de uma jornada mais curta
O movimento que embasa a proposta de redução da jornada de trabalho tem ganhado força nos últimos anos, alimentado principalmente por críticas ao modelo de 6×1, muito comum em setores como comércio, saúde, alimentação e serviços. A escala 6×1 estabelece que o trabalhador deve cumprir 6 dias consecutivos de trabalho, com apenas 1 dia de descanso, o que, segundo defensores da PEC, prejudica a saúde física e mental dos empregados, impactando diretamente sua qualidade de vida, além de comprometer suas relações familiares.
A proposta de 36 horas semanais em 4 dias de trabalho tem o respaldo de movimentos como o “Vida Além do Trabalho” (VAT), que conta com 1,5 milhão de assinaturas em apoio à revisão da escala 6×1. A ideia é que essa mudança se alinha com as novas realidades do mercado de trabalho, onde a flexibilidade e a melhoria da qualidade de vida são cada vez mais exigidas pelos trabalhadores, especialmente com o impacto das tecnologias digitais e a mudança no perfil das relações de trabalho.
Erika Hilton, uma das grandes defensoras da PEC, afirma que a proposta reflete um movimento global por modelos de trabalho mais flexíveis, que atendem à demanda por bem-estar e ao reconhecimento de que o trabalho deve ser adaptado às necessidades contemporâneas da sociedade. De acordo com a deputada, a redução da jornada permitirá que os trabalhadores tenham mais tempo para suas famílias, lazer e cuidados pessoais, o que consequentemente resultará em maior produtividade e um mercado de trabalho mais saudável.
Os desafios e os riscos da implementação
Porém, a proposta não está isenta de controvérsias e riscos econômicos. O economista Pedro Fernando Nery destaca que, embora a ideia de reduzir a carga horária seja positiva sob a ótica do bem-estar dos trabalhadores, ela pode gerar dificuldades para a economia e afetar a criação de empregos. Nery alerta que a proposta de reduzir a jornada semanal para 36 horas pode levar muitas empresas a restringirem contratações ou, até mesmo, a demitirem funcionários em busca de maior eficiência operacional. Esse impacto seria mais evidente em setores que dependem de escalas de trabalho mais longas, como o comércio, a hotelaria e outros serviços, que frequentemente adotam o modelo 6×1.
Além disso, setores como o varejo e a saúde enfrentam desafios logísticos ao tentarem implementar o modelo 4×3 (quatro dias de trabalho com três de descanso). Para essas indústrias, seria necessário repensar as escalas de trabalho, o que pode resultar em aumento de custos e ajustes nos processos produtivos, principalmente nas empresas de pequeno porte, que enfrentam margens de lucro mais estreitas.
Nery propõe que, caso a redução seja implementada, ela ocorra de forma gradual, com um processo de transição mais lento, permitindo que os negócios se adaptem e o governo estabeleça medidas de compensação para os setores mais afetados. A mudança, segundo o economista, deveria ser planejada para não causar um choque abrupto no mercado de trabalho, mas uma adaptação progressiva que garanta a segurança do emprego formal no Brasil.
O impacto social da jornada de trabalho reduzida
De um ponto de vista mais social, muitos argumentam que uma jornada mais curta tem o potencial de gerar benefícios amplos para a sociedade. Menores jornadas de trabalho podem, de acordo com especialistas, melhorar a saúde pública ao reduzir o estresse e a exaustão dos trabalhadores, que são frequentemente causados pelo excesso de horas trabalhadas. Além disso, a proposta pode ter impactos positivos na qualidade de vida, permitindo que os trabalhadores se dediquem mais a suas famílias, estudos e outras atividades fora do ambiente profissional.
Ademais, há a possibilidade de aumento do emprego em certos setores, como o turismo e o lazer, que poderiam precisar de mais funcionários para cobrir as lacunas deixadas pelas folgas adicionais. Algumas pesquisas indicam que países que implementaram jornadas mais curtas, como a Islândia, registraram um aumento na produtividade e na satisfação dos trabalhadores, algo que poderia ser replicado no Brasil caso a proposta de redução de jornada seja bem-sucedida.
A resistência política e os desafios legislativos
Como em qualquer proposta de alteração constitucional, a jornada de trabalho reduzida enfrentará uma batalha política significativa no Congresso Nacional. A proposta de Erika Hilton se soma a outras iniciativas similares que já foram discutidas ao longo dos anos, mas que nunca prosperaram, como a PEC de Reginaldo Lopes (PT-MG), que visava reduzir a jornada para 36 horas semanais com um período de transição de dez anos. Além disso, o modelo de jornada mais curta também foi discutido durante a Assembleia Constituinte de 1987, mas acabou sendo rejeitado em favor do modelo de 44 horas semanais.
No entanto, a diferença agora é o movimento crescente da sociedade civil e o apoio crescente nas redes sociais, que podem influenciar a forma como os parlamentares lidam com o tema. O impacto da mobilização digital e o respaldo de milhões de trabalhadores podem ser fundamentais para que o debate sobre a redução da jornada de trabalho avance no Congresso, desafiando resistências históricas e buscando uma solução mais equilibrada para as questões trabalhistas no Brasil.
Em última análise, a proposta de reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais, com a implementação gradual, representa uma mudança significativa nas relações de trabalho no Brasil, ajustando-se às novas demandas sociais e econômicas e buscando equilibrar as necessidades dos trabalhadores com os desafios econômicos do país.